quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Grupo Contra Violência e Violação de Direitos Humanos busca ampliar debate sobre a implantação do Toque de Recolher em Bauru


Toque de Recolher aguarda audiência e já está no Orkut

por Verônica Lima

Grupo Contra Violência e Violação de Direitos Humanos busca ampliar debate sobre a medida em Bauru

No próximo dia 27, quinta-feira, a cidade de Bauru discutirá o Toque de Recolher para menores de 18 anos em audiência pública. Pela primeira vez, a medida está em pauta em uma cidade com mais de 100 mil habitantes, e mobiliza tanto órgãos oficiais da sociedade, como a polícia, quanto instâncias informais, como a rede social Orkut, onde foi inaugurada neste mês uma comunidade contra a restrição.

A intenção segue a tendência de outras cidades do estado de São Paulo, como Ilha Solteira, justificando a necessidade de adotar a medida como uma forma de “proteção” aos adolescentes da cidade. O Grupo contra Violência e Violação de Direitos Humanos de Bauru (GVVDH) defende e promove uma discussão aprofundada ao Toque de Recolher. Sob o argumento da proteção, a ação esconde diversos problemas sociais para os quais a retirada dos adolescentes das ruas não é solução eficaz.

Argumentos judiciais mostram que o Toque de Recolher fere a Constituição Federal e outros dispositivos de garantia de Direitos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Instituições de todo o país em defesa da criança e do adolescente, como os Conselhos Estadual e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONDECA e CONANDA), Associação de Conselheiros Tutelares do Estado de São Paulo (ACTESP), Fórum Nacional dos Conselhos Tutelares (FCNCT) já se posicionaram contra o Toque de Recolher. Segundo as entidades, a medida não soluciona o verdadeiro problema da falta de políticas públicas para essa faixa etária nas cidades brasileiras.

Fracasso
Na cidade de Ilha Solteira, uma das primeiras a adotar o Toque de Recolher no estado, a implementação da medida não se concretizou. Segundo Elias Lopes Vieira, presidente do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), além da ineficácia da determinação no combate à diminuição dos índices de criminalidade, não houve condições para controlar e fiscalizar a medida. “O real problema não é tratado e nem mesmo discutido nessa perspectiva”, destaca Vieira.

Segundo o presidente do CMDCA, o Conselho Tutelar de Ilha Solteira se recusou a ajudar na implantação do Toque de Recolher, amparados pela justificativa de que o órgão deve proteger e não punir os jovens, de acordo com o ECA. Além disso, as diversas situações repressivas e vexatórias pelas quais os jovens da cidade passaram apenas contribuíram para uma resposta contrária à medida hoje já considerada fracassada na cidade.

Rede social
A discussão promovida pelo GVVDH de Bauru também está no site de relacionamentos Orkut. A comunidade intitulada “Toque de Recolher - TÔ FORA” foi inaugurada no último dia 08 de maio com objetivo suscitar a o debate também entre os adolescentes, principais afetados pela medida. O espaço na rede social já conta com mais de 300 membros e tem servido como local para expressão de opiniões dos jovens. Em um dos fóruns de discussão da comunidade, uma adolescente faz alguns questionamentos sobre a medida. “Gente de bem fica trancado em casa, enquanto os bandidos fazem o que bem querem? O que eles acham que vão conseguir com isso?”, indaga a adolescente.

A audiência foi convocada pelo juizado e promotoria da Infância e da Juventude, juntamente OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Defensoria Pública Estadual. A requisição do debate foi feita pelo comando do 4º Batalhão da Polícia Militar.

Sobre o GVVDH
O Grupo contra a Violência e Violação de Direitos Humanos de Bauru foi formado em dezembro de 2007, após o bárbaro episódio de tortura e morte do adolescente Carlos Rodrigues Júnior, de 15 anos.
Fazem parte do grupo diversas entidades e cidadãos da sociedade civil unidos no propósito de combater a violência e violação de Direitos Humanos em Bauru e região. Entre as entidades destacam-se: CRP (Conselho Regional de Psicologia), CRESS (Conselho Regional de Serviço Social – Subseção Bauru), Instituto Acesso Popular, Núcleo pela Tolerância da Unesp, Conselho Municipal da Condição Feminina. São colaboradores nesta discussão: Conselho Tutelar, Apeoesp, PSOL e Comissão dos Direitos Humanos da OAB

Saiba mais:
Comunidade Orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=101602909

Matéria sobre extinção do Toque de Recolher em Ilha Solteira: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100420/not_imp540547,0.php

Video feito por jovens sobre Toque de Recolher: http://www.youtube.com/watch?v=fz0IPMasp80

Informações à imprensa
Verônica Lima – assessora de imprensa do GVVDH
Telefones: (14) 9107 6442/ 3019 0155
Emails: veronica.alveslima@gmail.com / gvvdhbauru@gmail.com


Conheça o documento produzido pelo GVVDH em repúdio à iniciativa de implantação do Toque de Recolher em Bauru:


TOQUE DE RECOLHER: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO APARTHEID SOCIAL!!!

Setores da cidade iniciaram a discussão do toque de recolher no município de Bauru. Tal medida visa recolher menores de 18 anos em suas residências em horários determinados.
O início desta discussão se dá pela falsa cortina da alegação de proteção as crianças e adolescentes, que estariam sujeitos a possíveis situações de riscos, devido ao fato de estarem freqüentando espaços públicos em determinados horários, julgados por alguns como horários inadequados.


O Grupo Contra a Violência e Violação dos Direitos Humanos, composto por diversas entidades da sociedade civil, preocupado com as possíveis conseqüências desta medida, apresenta POSICIONAMENTO CONTRÁRIO ao toque de recolher.

A proteção da criança e do adolescente é uma conquista da sociedade civil na defesa das liberdades democráticas e nas garantias dos Direitos Humanos. Tais garantias foram chanceladas com a atual redação do artigo 227 da Constituição Federal, o qual institui, além de outros pontos, as crianças e adolescentes como sujeitos de Direitos dentro de nosso Estado.

Importa reforçar que o direito à liberdade é clausula pétrea da nossa CF/88, tido como direito fundamental da pessoa humana, previsto no artigo 5°, que trata da inviolabilidade do direito à liberdade. É certo que a Constituição Federal de 1988 ao proteger o direito à liberdade a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, inclui as crianças e adolescentes.

Este reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de Direitos e de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento fez com que se iniciasse a construção de uma contraposição ao até então vigente Código de Menores de 1979, que tratava da doutrina da situação irregular.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no ano de 1990, aprofunda-se a construção da doutrina da proteção integral, a qual estabelece a prioridade absoluta da criança e do adolescente a parir da responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, na defesa e garantia desta proteção.

A partir de então, temos o início de um novo momento nas relações com as crianças e adolescentes, na busca de superar as previsões autoritárias e invasivas próprias do Código de Menores, incluindo a família e a sociedade como agentes ativos de primeira proteção das crianças e adolescentes juntamente com o Estado, ambos concorrentes em assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Dessa forma, a cidade de Bauru coloca-se na contramão da História ao aventar a implantação do toque de recolher. A possibilidade de implementação da medida representa um retrocesso frente a todos os avanços conquistados, com a promulgação da nossa Constituição Federal e a aprovação do ECA, instrumentos importantíssimos de garantias e direitos dos cidadãos e das crianças e adolescentes.

O toque de recolher, portanto, fere frontalmente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como as normas de direito internacional das quais o Brasil é signatário. Soma-se a isto a ineficácia de tal instituto do ponto de vista do combate e prevenção à criminalidade e reforça-se o perigo que tal medida representa para às liberdades e garantias fundamentais.

A livre circulação e ocupação dos espaços públicos é direito de todos(as) os(as) cidadãos(ãs), inclusive das crianças e adolescentes, os quais têm este direito garantido no ECA em seu artigo 16, que determina o direito de ir e vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários.

O toque de recolher impedirá que meninos e meninas estejam em espaços públicos destinados à convivência e livre circulação, criando, sem qualquer amparo constitucional ou justificativa social consistentes, limites à liberdade desses adolescentes, mostrando-se, dessa forma, contrário ao ECA, o qual adota a doutrina de proteção integral nos direitos humanos.

Tal fato não está amparado pelo nosso ordenamento jurídico e representa um recurso de inspiração autoritária que faz lembrar as velhas manifestações discriminatórias do “crime de vadiagem”, que por anos serviu para perseguir os homens e mulheres marginalizados(as) no nosso País. Recurso este, que retoma parte da lógica da doutrina de situação irregular que, pelo Código de Menores de 1979, oferecia, em vez da proteção social para nossas crianças e adolescentes, a perpetuação da crimininalização da infância e da juventude brasileira.

Nota-se claramente que o toque de recolher fere o principio da proteção integral dos adolescentes, que são sujeitos de direitos com absoluta primazia no atendimento do Estado, da família e da Sociedade, sendo, portanto, uma afronta à ordem social e legal vigente no país.
O malfadado toque de recolher não resolve o problema de nossas crianças e adolescentes posto ser uma medida repressiva, que não aponta saída para os problemas de falta de políticas públicas do município como reais alternativas de inclusão desses jovens na sociedade.


A falta de políticas públicas para toda a juventude é o cerne do problema e não a permanência dos jovens nos espaços públicos, espaços os quais devem ser ocupados por toda a sociedade inclusive pelas crianças e adolescentes.

Tal medida reforçará o apartheid social que já vivemos na cidade, separando-a em dois pólos: o da “zona sul”, habitada e freqüentada por jovens com acesso a shopping, cinema, lanchonetes, etc.; e o das zonas periféricas, habitada por uma juventude que possui raras alternativas de cultura, lazer, esporte, entre outras, e que terá ainda mais restringido seu acesso aos equipamentos de lazer e entretenimento da cidade.

O toque de recolher está sendo apresentado como “defensor” da criança e do adolescente. Contudo, uma das justificativas fundamentais apresentadas por seus defensores baseia-se nos índices de envolvimento de adolescentes com atos infracionais. Vemos, assim, que o discurso a favor do toque de recolher está imbuído de uma perversa mistura entre “situação de risco” com “ato infracional”. Preconceituosamente, o toque de recolher busca tirar das ruas as crianças e adolescentes que supostamente “oferecem risco à sociedade”, numa clara justificativa de proteção da sociedade, em detrimento da proteção integral da criança e do adolescente. Este ato constitui muito mais em um mecanismo de “limpeza social” do que efetivamente com o objetivo de resguardar e defender a proteção integral das crianças, adolescentes e da juventude.

O toque de recolher implicará ainda em outro problema social muito grave. As relações familiares serão relativizadas de maneira genérica, pois o Estado passará a intervir no poder familiar e com isso as relações familiares ficarão prejudicadas.

Ainda no que tange à família, cabe reforçar que o Estado não pode, pelo simples trânsito de adolescentes e jovens fora de uma faixa de horário, prever relativizações do poder familiar numa presunção descabida de que a permanência em locais públicos desacompanhadas dos pais, pó si só, ensejaria de maneira tão drástica uma intervenção do Estado, como por exemplo, a limitação do horário para a circulação.

Tal medida, toque de recolher, busca esconder um grave problema social e em conjunto executar o desejo social de setores conservadores da sociedade de se verem “livres” da presença incômoda de meninos e meninas pobres da periferia que, na rua, sem assistência social e sem apoio para o seu desenvolvimento, denunciam com sua própria miséria os perversos e insuportáveis índices de injustiça e desigualdade social.

Nota-se, portanto, que o toque de recolher resulta em um atentado ao direito de convivência comunitária, restringindo a possibilidade de interação das crianças e adolescentes com os seus colegas da mesma idade e assim dissemina, ainda, um sentimento de terror nos espaços públicos, provocado pelo discurso repressivo que se criará com a implementação da medida.

Reforçamos ainda o risco da implementação do toque de recolher como medida que resultará em mais violência contra os jovens, que já são vitimas do racismo e todas as outras formas de discriminação, e que serão expostos ao discurso da situação de risco, através das lamentáveis políticas de recolhimento.

Em lugar de medidas repressivas, devemos investir em medidas pedagógicas de educação da juventude. O toque de recolher em nada contribui para o desenvolvimento humano e da personalidade de nossas crianças e adolescentes e compromete o desenvolvimento de sua autonomia, na medida em que impõe um modelo de autoridade baseada no medo, com base no cerceamento da liberdade.

Por tudo isso, o Grupo Contra a Violência e Violação dos Direitos Humanos é contra esta medida repressiva. O toque de recolher é discriminatório, ilegal, inconstitucional e retrógrado. Portanto, deve ser rejeitado pela população bauruense!

Bauru , 17 de maio de 2010.
Assinam:
Grupo contra a Violência e Violação de Direitos Humanos
Conselho Regional de Psicologia – Subsede Bauru
Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa
da Câmara Municipal de Bauru
Conselho Regional de Serviço Social – Seccional Bauru
Observatório dos direitos humanos da UNESP de bauru
Instituto Acesso Popular de Educação Cultura e Política
Juventude do Partido dos Trabalhadores
Partido dos Trabalhadores
União Estadual dos Estudantes de São Paulo
Núcleo pela tolerância UNESP bauru
Partido socialismo e liberdade
Sindicato dos professores do ensino oficial do estado de São Paulo - APEOSP
Centro acadêmico Paulo freire
Estudantes da UNESP – jornalismo e psicologia
Conselho Tutelar de bauru
Partido Comunista do Brasil - PCdoB
União da Juventude Socialista - UJS
União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Bauru – UMESB
Movimento dos Sem-Terra


Fonte: http://gvvdh.blogspot.com

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