Aos membros do grupo, que estavam em fazenda de Borebi, juntaram-se representantes de vários assentamentos paulistas
Tânia Morbi - Jornal da Cidade 27/08/11
Com gritos como “MST, a luta é pra valer”, “Se o campo não planta, a cidade não janta”, e “Reforma agrária já, já, já”, cerca de 450 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) realizaram ontem à tarde uma grande manifestação que parou o Centro de Bauru. A manifestação faz parte da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, organizada em todo o País pelo MST, e que na região questiona especialmente a propriedade da Fazenda Santo Henrique pela empresa Cutrale. O MST considera as terras como públicas, assim como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Saídos da fazenda próxima a Iaras, cuja desocupação foi determinada pela Justiça e executada por volta das 11h30 desta sexta-feira pela Polícia Militar, homens, mulheres, jovens e idosos chegaram à cidade em um ônibus e, a partir do início da avenida Nações Unidas, passaram a marchar a pé em direção à Câmara de Vereadores pela avenida Rodrigues Alves.
Acompanhados de perto por cerca de 40 policiais militares, que tiveram trabalho para organizar o trânsito principalmente nas ruas paralelas à Rodrigues Alves, os trabalhadores marcharam ao som de hinos populares executados por dois carros de som, mas também sob muitos gritos de incentivos e frases de efeito, que ecoavam entre as vozes e os instrumentos musicais que carregavam, como pandeiro e surdo, usados para animar os integrantes da marcha.
Manifestantes passaram pela Nações e Rodrigues Alves
A manifestação teve o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e dos Sindicatos dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia) e dos Bancários de Bauru.
Dois anos depois de virar notícia em todo mundo pela destruição da mesma fazenda, o MST voltou a ocupar a sede e a lavoura da Santo Henrique, na região de Borebi, na última segunda-feira. A mobilização de ontem também teve o propósito, segundo dirigentes ouvidos, de melhorar a imagem do movimento diante da opinião pública.
Integrante da comissão que organizou a manifestação, Claudete Pereira de Souza, 32 anos, disse que o grupo que ocupava a fazenda em Borebi, ainda não tinha decidido para onde iria depois da passeata e da audiência.
“Nosso principal objetivo é denunciar o uso das terras públicas da região. Podemos voltar para Cutrale, para capital ou ocupar órgãos públicos, como ir para um dos assentamentos da região”, afirmou.
Reforma agrária
O coordenador da CUT de Bauru, Francisco Wagner Monteiro, defendeu a manifestação. “A manifestação é contra o que ocorre na fazenda de Borebi, onde a Cutrale se aproveita da terra sem pagar nada. A CUT entende que o MST está certo. A CUT entende que essa área precisa ser destinada à reforma agrária para que não
seja preciso outras manifestações como essa”, disse.
No final da tarde de ontem, a assessoria de imprensa da Cutrale enviou uma nota
dizendo que os integrantes do movimento haviam desocupado a fazenda. “As atividades serão retomadas o mais rápido possível. A empresa garante aos colaboradores os salários dos dias em que ficaram impedidos de trabalhar em razão desta invasão, para que não tenham prejuízos. A empresa só poderá informar prejuízos após levantamento e inventário das condições da fazenda”, encerra a nota.
Audiência pública
Já no Legislativo, o grupo foi recebido pelo vereador Roque Ferreira (PT) e pela Secretaria de Assistência Social (Sebes) Darlene Tendolo, que representou o prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB). Agostinho participava de uma audiência no Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), que debateu a Lei do Cerrado.
Deputado Simão Pedro, Fábio Tomás e Roque Ferreira
Representando o grupo que estava na fazenda de Borebi e do assentamento de Iaras, além de assentamentos de várias partes do Estado de São Paulo, como Andradina, Promissão, Campinas, Ribeirão Preto e Pontal do Paranapanema, entre outros, cerca de 150 integrantes do MST participaram de uma audiência pública no plenário da Câmara, que contou com a participação do Assessor Nacional e Presidente Substituto do Incra Luciano Brunet, do deputado federal Ivan Valente (PSOL), deputado estadual Simão Pedro (PT), Secretário Nacional da Reforma Agrária do PT Antonio Storel e do Secretário de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT de São Paulo Wellington Diniz Monteiro. Os outros manifestantes esperaram do lado de fora.
A audiência foi presidida por Roque, que teve ao seu lado Cláudia Praxedes e Fábio Tomás, da direção estadual do MST. A primeira a se pronunciar foi a secretária de Assistência Social, que lembrou a parceria mantida entre a prefeitura de Bauru, através da Sebes, os agricultores do assentamento de Brasília Paulista, através da Oscip Instituto Acesso Popular, e Governo Federal, através da Cohab. 26 famílias estão assentadas no local. A produção de legumes, verduras e frutas é paga pelo governo federal e distribuída gratuitamente entre famílias carentes e entidades sociais da cidade.
Depois falou o secretário Storel, que fez uma longa apresentação sobre as terras consideradas públicas pelo Incra na região e sua ocupação. O deputado Simão Pedro questionou o Poder Judiciário sobre as decisões favoráveis às grandes empresas. (TM)
Para deputado, a bancada ruralista atrapalha
O deputado federal Ivan Valente (PSOL) acompanhou a chegada dos manifestantes do MST à Câmara de Bauru. Acompanhado pelo vereador Roque Ferreira (PT), cumprimentou dirigentes e organizadores do movimento.
Valente fez duras críticas ao uso das terras da fazenda Santo Henrique pela
Cutrale e acusou a bancada ruralista, do Congresso Nacional, pela uso indevido das
terras públicas.
“Estive em Iaras várias vezes e entendo que a terra foi grilada pela Cutrale. Isso é demonstrado pelas ações movidas pelo próprio Incra contra a Cutrale. O que houve foi uma campanha muito forte contra a ocupação dessas terras que propiciou até uma CPI na Câmara Federal, da qual participei, e fui contrário, pela campanha puxada principalmente pelo DEM (partido Democratas), que bombardeou o MST e jogou nuvem de fumaça na questão central, que não é plantar laranja para exportação ou arroz e feijão, mas sim, que as terras são públicas e o governo devia
utilizar terras públicas para a reforma agrária. Essa ocupação tem simbologia para mostrar que há uma impunidade, ou seja, o Incra vai à Justiça, a Justiça em primeira instância diz alguma coisa, mas claramente, as terras são públicas e é por isso que os trabalhadores rurais sem terra têm razão ao reivindicar as terras pra reforma agrária. A simbologia é grande tanto que a Cutrale até agora não respondeu se a terra é pública ou não. Ela só entra na Justiça para desocupar”, disse. (TM)
‘Falta de dinheiro e legislação barram o Incra’
Segundo Luciano Brunet, Assessor Nacional e Presidente Substituto do Incra, o Instituto dispões atualmente em decretos para desapropriação no valor aproximado de R$ 1,1 bilhão, enquanto seu orçamento é aproximadamente a metade desse valor.
A afirmação expõe uma das dificuldades do órgão em promover a reforma agrária. Além da falta de recursos, a legislação emperra o processo. “O custo hoje de trazer o índice da concentração de terra que hoje estaria em ais de 50% nas mãos das grandes propriedades, significaria um custo quase impossível de ser praticado, mas nosso primeiro problema é legal, por que o que deveria ser rito sumário se transformou em um ritual de ou anos. Há uma batalha legal para ser feita no sentido de colocar instrumentos de desapropriação para fazer a reforma agrária que sejam mais ágeis e eficazes, e há o problema de priorização do orçamento e de foco”.
Apesar disso, o Assessor defendeu que não falta apoio do governo federal na promoção da reforma. Para ele, a reformulação da entidade é mais importante e deve fortalecer sua atuação nacional.
“O problema está mais na sua reestruturação do que exatamente dizer que não há apoio do governo federal”. Sobre a devolução por parte da presidente Dilma Rousseff de decretos do Incra, Brunet defendeu que não falta apoio por parte do governo federal. (TM)
Luciano Brunet, do Incra, defende fortalecimento regional